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Atores asiático-americanos lutam por visibilidade

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Daniel Dae Kim, Constance Wu e B.D. Wong. Foto por: Todd Heisler/The New York Times

Quem acompanha conteúdos vindos direto de países como Japão e Coreia do Sul, os atores asiáticos referência são os que estão trabalhando em sua cultura de origem. Porém, há uma enorme safra de atores em outros países pelo mundo. Estados Unidos e a indústria cinematográfica de Hollywood são os que mais se apropriam desses artistas, que muitas vezes são mestiços ou cresceram longe de suas raízes. Recentemente, uma série de acontecimentos despertou a atenção dos próprios artistas de origem asiática para seu pouco espaço no entretenimento americano.

Fresh Off the Boat
Fresh Off the Boat

Quando Constance Wu conseguiu o papel de Jessica Huang, a matriarca chinesa-americana na sitcom do canal ABC, “Fresh Off the Boat”, ela não percebeu o quão importante o papel viria a ser. Apenas quando se deu conta de um detalhe: há 20 anos um programa de elenco predominantemente asiático-americano tinha ido ao ar na TV americana. Trata-se de outra produção da ABC: “All-American Girl”, de 1994, protagonizada por Margaret Cho e cancelada após uma temporada.

All-American Girl
All-American Girl

“Eu não estava realmente consciente disso até receber o papel”, declara Wu. “Estava focada na tarefa que tinha em mãos e que pagava meu aluguel.” A série, por enquanto, foi renovada para uma terceira temporada, e concedeu a Constance um emprego estável e novas perspectivas. Depois de pesquisar muito, ela mudou seu foco de “interesses próprios para os interesses asiáticos-americanos.”.

No ano passado, vários atores asiático-americanos se tornaram defensores ferozes de sua própria visibilidade – e críticos sobre a indústria em que trabalham. A questão se materializou em uma palavra – “whitewashing” (branquear) – numa tentativa de definir como Hollywood tira personagens e histórias feitas para asiáticos e coloca no lugar atores brancos.

Tal conscientização fez com que Constance virasse uma influenciadora nas redes sociais ao criticar assiduamente a situação de sub-representação pela qual ela e seus colegas de profissão asiático-americanos passam. Pelo Twitter, ela alfinetou Hollywood de forma irônica: “Uma maneira fácil de evitar token? Ter mais de um. Tem mais de 3. Torná-los todos diferentes e lhes dar 50% do diálogo. Não é tão difícil.”.

Está mais fácil agora para esse nicho específico de atores conseguir trabalho em Hollywood, e justamente por essa atual expansão, paradoxalmente, marcou-se o início de uma nova geração de atores seguros e com poder de fala suficientes para criticar mais livremente as falhas da indústria. Dentre os deslizes, está uma visão monótona do mundo e repetitiva de como devem ser os personagens asiáticos dentro das histórias.

Daniel Dae Kim de Hawaii Five-0
Daniel Dae Kim, de Hawaii Five-0

“A dura realidade de ser um ator é que é difícil ganhar a vida, e que coloca ‘atores de cor’ em uma posição muito difícil”, diz Daniel Dae Kim, protagonista da série “Hawaii Five-0” da CBS e atualmente participando do musical “The King and I” na Broadway. Dae Kim segue a cartilha de defesa pela visibilidade asiática e também fala sobre o assunto através das redes sociais.

Ming-Na Wen em Agents Of S.H.I.E.L.D
Ming-Na Wen em Agents Of S.H.I.E.L.D

Outros atores emprestando suas vozes incluem o paquistanês Kumail Nanjiani de “Silicon Valley” da HBO, Ming-Na Wen de “Agents of S.H.I.E.L.D.” e Aziz Ansari de “Master of None”, ator indiano-americano que protagoniza a série Netflix. Unem-se a eles atores mais experientes como a já citada Margaret Cho (Drop Dead Diva); B.D. Wong de “Gotham”, “OZ” e “Law & Order: Special Victims Unit”; e George Takei , que alavancou sua carreira na franquia de séries e filmes “Star Trek”.

George Takei como Sulu, na série clássica de Star Trek
George Takei como Sulu, na série clássica de Star Trek

“Há uma noção estereotipada antiga de que os povos asiáticos-americanos não falam”, diz o ator BD Wong sobre a falta de falas para asiáticos nos filmes norte-americamos.

O ano de 2015 provou ser um período estranho para a representação asiático-americano em filmes. Em maio, o longa “Aloha”, que se passa no Havaí, estava cheio de atores brancos, incluindo uma de olhos verdes e cabelos loiros – Emma Stone – interpretando uma havaiana piloto de caça chamada Allison Ng. Em setembro, foi divulgado que na adaptação prevista do mangá japônes Death Note, o protagonista Light Yagami seria renomeado somente como Light e interpretado pelo ator branco Nat Wolff.

Emma Stone em Aloha
Emma Stone em Aloha

Já em 2016, em abril a Marvel liberou o primeiro trailer do filme “Doutor Estranho”, em que um personagem que nas histórias em quadrinhos é um monge tibetano, foi reinventado como uma mística interpretada por Tilda Swinton. Para a adaptação live-action americana do clássico mangá Ghost in the Shell, prevista para 2017, o personagem principal, a Major Motoko Kusanagi, será interpretada por Scarlett Johansson. Casos como esses dois últimos geraram muita polêmica e discussão sobre se seriam representações adequadas, rendendo respostas dos produtores e estúdios.

Tilda Swinton em Doutor Estranho, filme que estreia em novembro de 2016
Tilda Swinton em Doutor Estranho, filme que estreia em novembro de 2016

Estúdios se defenderam dizendo que seus filmes são diversos. “Como outros filmes da Marvel, vários personagens em “Doutor Estranho” são desvios significativos em relação ao material de origem, não limitado por raça, sexo ou etnia”, disse o presidente da Marvel Studios, Kevin Feige, em um comunicado oficial. “Tilda Swinton vai interpretar um personagem que era originalmente masculina, e Chiwetel Ejiofor um personagem que era originalmente branco.”. Paramount e DreamWorks, os estúdios por trás de “Ghost in the Shell”, afirmaram que o filme reflete “um conjunto diversificado de culturas e países.” e que por isso teria liberdade na escolha da atriz para protagonizar a adaptação. Mas muitos atores asiáticos-americanos ainda não estão convencidos.

Primeira imagem divulgada de Scarlett Johansson como Major Motoko Kusanagi, de Ghost in the Shell
Primeira imagem divulgada de Scarlett Johansson como Major Motoko Kusanagi (à esquerda), de Ghost in the Shell. A direita, Motoko em uma das adaptações de anime do mangá.

O Oscar 2016, que aconteceu em fevereiro, jogou lenha na fogueira. O evento tentou se defender das acusações de ter somente atores brancos indicados na premiação, em resposta a manifestação #OscarsSoWhite, vinda da classe artista, na época de maioria negra. Em um momento desnecessário da cerimônia, fizeram piada dos asiáticos e que reforçava os estereótipos. O anfitrião Chris Rock, levou ao palco três crianças asiático-americanas para servir como suporte a piada.

Chris Rock no Oscar 2016, durante piada com asiáticos
Chris Rock no Oscar 2016, durante piada com asiáticos

Janet Yang, produtora que serve como uma ligação entre Hollywood e estúdios chineses, disse que nunca “a comunidade asiático-americano se organizou tão rapidamente. Foi a gota d’água.”. Yang e outros 24 membros da Academia, incluindo a atriz Sandra Oh, o diretor Ang Lee e George Takei, assinaram uma carta para a academia cobrando desculpas pelas piadas ofensivas na cerimônia. A resposta foi considerada fraca e só serviu para alimentar mais a raiva dos artistas, que continuaram se manifestando online.

Ming-Na Wen criticou “Ghost in the Shell”, twittandoNada contra Scarlett Johansson. Na verdade, sou um grande fã. Mas sou totalmente contra este Whitewashing de papéis asiáticos.”. Já George Takei disse em sua página no Facebook: “Hollywood tem tido elencos de atores brancos em papéis asiáticos durante décadas, e agora não podemos continuar fingindo que não há algo mais profundo trabalhando aqui.”

A TV norte-americana mostra uma mudança gradativa deste quadro de sub-representação. Seguindo “Fresh Off the Boat”, ABC estreou a comédia “Dr. Ken”, com uma família asiática-americana liderada pelo criador da série, Ken Jeong (Se beber, não Case). O filme “Quântico”, da franquia 007, é estrelado pela atriz de Bollywood, Priyanka Chopra. Em “Crazy Ex-Girlfriend”, com Rachel Bloom como personagem principal, traz também o filipino-americano Vincent Rodriguez III. “The Mindy Project” é protagonizado por sua criadora Mindy Kaling, indiana-americana que foge também dos esteriótipos femininos; e Lucy Liu, que interpreta a Dr. Watson reinventada para o século XXI em “Elementary”.

Lucy Liu como Watson, em Elementary
Lucy Liu como Watson, em Elementary

Esses programas ajudam, mas a questão é mais ampla. “O pensamento dominante em Hollywood ainda parece ser que os filmes e histórias sobre pessoas brancas são universais. Estive assistindo homens brancos de meia-idade e seus problemas desde que eu era um pequeno menino indiano”, desabafou Aziz Ansari.

Aziz Ansari em Master of None, da Netflix
Aziz Ansari em Master of None, da Netflix

Nos filmes, alguns papéis transcenderam estereótipos: George Takei em “Star Trek”; Lucy Liu em “As Panteras”; e John Cho e Kal Penn em Madrugada Muito Louca (2004). E vem mais por aí, como a vietnamita-americana Kelly Marie Tran que terá um papel importante na sequência de “Star Wars”.

Entretanto, em geral a situação é de invisibilidade. Embora eles formem 5,4% da população dos Estados Unidos, mais da metade dos filmes, programas de televisão e streaming, não tem atuações de asiáticos. Segundo pesquisa da Annenberg School for Communication and Journalism at the University of Southern California, apenas 1,4% dos personagens principais de filmes lançados em 2014 eram asiáticos.

Para atores asiático-americanos, a realidade é a escassez de oportunidades. “Uma pessoa asiática que está competindo com brancos, para um público de pessoas brancas, tem que treinar para essa oportunidade como se fossem os Jogos Olímpicos”, afirma Constance Wu. “Um ator asiático incrivelmente talentoso pode ser considerado para um papel de liderança talvez uma ou duas vezes na vida.”. Durante muito tempo, os asiáticos foram definidos como imigrantes, mas a segunda e terceira geração asiático-americanos estão encontrando suas próprias vozes”, ressalta a escritora Ellen Oh.

Eles também estão adquirindo um novo vocabulário. “O termo ‘whitewashing’ é novo, e é extremamente útil”, diz BD Wong. Em contraste com “Yellowface”, que protestou contra a prática de atores brancos usando maquiagem e próteses para interpretar asiáticos, o termo “branquear” dá voz à quase ausência de papéis de destaque.

O apoio do público junto a internet permitiram que as pessoas imaginassem um universo paralelo onde asiático-americanos dominam a tela. Recentemente, fãs decepcionados com a adaptação de “Ghost in the Shell” substituíram Scarllet Johansson no papel principal com auxílio da manipulação no Photoshop, colocando em seu lugar Rinko Kikuchi, a estrela japonesa de “Pacific Rim”.

Rinko Kikuchi em edição de imagem que substituiu Scarlett Johansson
Rinko Kikuchi em edição de imagem que substituiu Scarlett Johansson

Este ano, o ator John Cho esteve na hashtag #StarringJohnCho, ao se imaginar como estrela coreana-americana liderando filmes de ação. Embora Cho tenha protagonizado Madrugada Muito Louca (2004) e a nova franquia de filmes “Star Trek”, ele não ganhou papéis de destaque como outros atores. “Como eu estava photoshopando o rosto de John Cho no lugar do Tom Cruise, no cartaz de Missão Impossível, meus amigos e eu começamos a rir, porque tipo ‘Que loucura seria essa?”, disse William Yu, o rapaz que criou a hashtag. “Então eu me pergunto: por que deveria ser louco?”.

John Cho versões Perdido em Marte e 007
John Cho versões Perdido em Marte e 007

A campanha foi seguida por #StarringConstanceWu , que manipulou a atriz em imagens de cartazes de filmes estrelados por Emily Blunt, Drew Barrymore, Emma Stone, entre outras. A atriz Emma Stone teria perdido desculpas por sua caracterização em Aloha, e o diretor de Doutor Estranho, Scott Derrickson, afirmou em seu twitter que estava atento as manifestações dos asiáticos e disposto a aprender.

Se isso trará mudanças na tela é uma questão em aberto. “Todo mundo parece estar lentamente ficando ciente de como tudo é esmagadoramente branco. Basta olhar para os cartazes de filmes que você vê. São todas pessoas brancas.”, fala Aziz Ansari.

Mas basta que só as representações mudem se não houver uma transformação na sociedade? Seria essa sub-representação um reflexo da vida real? E você, apoia a causa dos artistas asiáticos que vivem nos Estados Unidos?


Glossário:
Token: quando se apropriam de uma opressão (ou minoria) que não faz parte da sua vivência para justificar, defender ou explicar o seu ponto de vista.

Fontes:
New Yorke Times
Mashable
Deadline
Feminiciantes

Via nytimes.com.
Tradução da autora.