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Eventos: o que eram, o que se tornaram e o que podem se tornar

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Postaram um dia desses um texto sobre como eventos de anime estão hoje em dia. Isso me levou a refletir e finalmente decidi botar pra fora certas coisas que venho pensando a respeito de eventos. Aí aproveitando que o site do Animesun foi repaginado e está lindo, cai bem “reestrear” a minha coluna com uma reflexão sobre os eventos de anime, este sazonal habitat natural do homo otakus.

NO COMEÇO

De 2000 a 2010, a geração que cresceu assistindo anime e tokusatsu na TV aberta conheceu os tais eventos de anime.

O fascínio foi imediato: era possível não somente se enturmar com gente com gostos em comum, ver (e se apresentar como) cosplay, cantar aberturas e encerramentos de anime e tokutsatsu no karaokê, e claro, comprar!

Torrar o dinheiro do lanche em camisetas, bottoms, canecas e lotes de produtos não-licenciados, bem como DVDs piratas de séries de anime que ainda não tinham chegado por aqui. A Internet já existia mas era muito mais prático dar 10 reais numa temporada completa em DVDs do que ficar semanas baixando episódio por episódio. Algumas lojinhas também tinham inclusive mangás em estoque, permitindo completar coleções.

Conforme os anos foram passando, novas atrações foram sendo “incorporadas”. Mas o evento continuava “de anime”. Torneios de TCG e games pareceram inserções naturais (Pokémon e Yu-Gi-OH! tinham animes populares, Street Fighter e King of Fighters também sempre tiveram um visual bem animesco). Adicionaram LARP, alguns cosplays surgiam de personagens ocidentais (geralmente de HQs e um ou outro filme), etc. As atrações e convidados consistiam em dubladores e vocalistas de aberturas/encerramentos dos animes e tokusatsu. Aqui e ali aparecia um desenhista pra “fazer sua caricatura em estilo mangá por apenas R$ X dinheiros.”

De 2005 em diante, a Internet foi barateando e se popularizando. Meados de 2009-2010 já não valia a pena gastar tanto assim em eventos. O aspecto “feira” perdia força conforme dispensávamos o intermediário entre os animes (aquelas lojinhas de DVDs piratas perderam espaço pra otaku com Anitube a hora que quiser em casa, de graça) e memorabília (as lojas e stands vendendo chaveiros, camisetas, xícaras e etc atendiam por encomenda e mantinham espaços online o ano todo, sem depender da sazonalidade dos eventos pra realizar vendas). Sem as lojinhas e stands pagando pra participar, os eventos foram ficando mais e mais dependentes das atrações pra atrair público. O público RPGista, que ia ficando sem eventos pra ir, acabava ganhando espaço nesses eventos. Surgiam mesas redondas, palestras. Grupos de fanfiction e fanzine. Variedade de cosplays e atividades foi incluindo uns gatos pingados fãs de séries, fãs de filmes (Star Wars, Star Trek, Senhor dos Anéis, etc… a lista é infinita).

A organização dos eventos percebeu que alcançaria um público muito maior (e portanto, mais ingressos) se não mirasse apenas nos fãs de anime/cultura japonesa (anime, mangá, cosplay). Surgiram nos eventos estrutura para atrair “gamers” (tanto de console quanto de PC), com todos os seus shooters competitivos. A Internet se tornou território pra proliferação dos MOBAS, cada um deles com sua própria fanbase firme. Pra se manter acontecendo, eventos de “anime” com nomes bem japoneses estavam lotados de público diversificado, atirando pra todas as direções. O “público só de animes” era só mais um fandom, e nem era o maior. Com a mistura dos conteúdos em eventos, ficou claro que as turmas se misturavam. Quem jogava Street Fighter também colecionava o mangá do Rurouni Kenshin e lia Homem-Aranha, mas queria fazer um cosplay de Predador. Tinha até cosplay de meme. Adicionam-se o público amante do k-pop, que já é tradicional a ponto de ter competições próprias.

Eventos de “anime” era uma definição muito restritiva. Eventos ficaram abertos para todos os tipos de fandom. Qualquer coisa que for popular ajuda a fechar a conta de um evento. De anime não, de cultura pop. Cultura pop é tudo, é qualquer coisa que fizer sucesso. Tem fanbase? Tem gente disposta a pagar uma entrada pra encontrar mais gente que gosta disso? Então pode vir.

O FIM DOS ANOS 2000

Aí chegamos nessa molecada que cresceu nos anos 2000-2010 e não cresceu assistindo TV e lendo quadrinhos e mangá. O atual público 15-25 assiste YouTuber. A graça de um evento antes era você chegar perto o máximo possível daquilo que você gostava: se antes o mais próximo que a gente podia chegar do Saga de Gêmeos era tirar uma foto com o dublador e gravar um áudio pedindo pra ele dizer “Morra, Seiya, seu viadinho”, isso bastava pra lotar um evento de anime. Se o público atual de 15-20 quer isso, e tem o dinheiro de painho e mainha pra dar na entrada que eu cobrar pra ver O YOUTUBER DA INTERNET QUE VEIO PRA NOSSA CIDADE SÓ HOJE, qual a coisa mais inteligente que um organizador, um administrador de empresa visando sucesso (e porque não, lucro) do meu evento, vai fazer?

A “decadência” dos eventos de anime se deve ao fato de que não existe um público duradouro que consome anime pra justificar a existência de um evento de anime. É como pizza. Pizza “original” é queijo e tomate. Fim. Houve quem considerasse adicionar presunto uma heresia. Veio calabresa, milho, portuguesa, cheddar, cachorro quente, amendoim, doce de leite, sorvete. Pizza de sorvete. “Que decadência”. Mas se existe pizza de sorvete é porque vende. Quem vai em pizzarias pode ir e comer só o padrão queijo com tomate, mas torcer o nariz quando vê alguém comendo uma pizza de sorvete de amendoim  é se aborrecer com a diversão alheia. E é esse tipo de atitude é uma parte do que acaba com um fandom.

E mais: Os eventos com apelo pra geração 20-35 também se alinharam com o novo público… e se tem uma coisa que o público 20-35 tem é renda. É a idade do trabalhador jovem que tem grana pra gastar, que quer aproveitar a “juventude e liberdade”, que quer dar 2.500 numa estatueta do Aiolia de Leão porque “o dinheiro é meu e eu faço o que eu quiser”. Os eventos de cultura pop estão cheios de coisas caríssimas pra gente comprar, e eles vendem porque sabem que a gente compra. As editoras de quadrinhos competem com a eterna facilidade de ler scans na Internet oferecendo edições especiais, capa dura, especial de luxo ultimate edition. Tem gente que compra HQ, deixa embalada na estante e lê o scan na Internet pra não amassar o “de ter na estante”. Shelf porn. Editoras e lojas especializadas estão organizadas dessa forma. Mas ainda assim, isso não fica no bolso de quem organiza o evento.

HOJE

YouTubers são atrações de eventos atualmente. Até eu acompanho alguns: Cinemasins, Screen Junkies, Nostalgia Critic. Você provavelmente acompanha alguns também. São populares, atraem público, vendem ingressos.

Os eventos ainda são economicamente interessantes de se fazer. Sabemos que são porque, com exceção do crédulo ingênuo staff voluntário menor de idade que trabalha de graça pelo puro prazer de “vestir a camisa do evento”, ninguém passa pelas dores de cabeça, estresse, rodeios e dificuldades necessárias pra organizar e realizar um evento de anime apenas porque “puxa vida, que legal”. Mesmo quando há pouco retorno, mesmo que seja arriscado, ainda vale a pena ser feito. A paixão pelos temas da cultura pop é o combustível que faz a maioria dos organizadores a enfrentar a tarefa hercúlea de tirar um evento do papel. E pra isso precisa de estrutura, investimento, dinheiro.

CONCLUSÃO

Não ficamos “velhos demais” pra eventos de anime. Ficamos, sim, calejados para eventos que insistem no que pode até ter dado certo 10 anos atrás, ou aborrecidos com eventos que entregam todo o espaço deles para atrações e um público totalmente novo.

Mas ainda queremos novidades. Maravilhas. Queremos RPG. Queremos ver cosplays desfilando e se apresentando. Queremos K-pop. Queremos ver atrações empolgantes em igual medida pra todos os fandoms. Queremos comprar quadrinhos e produtos dos nossos personagens e histórias favoritas. Queremos encher a estante com a cultura pop que adoramos, seja do hemisfério que for. Queremos celebrar o que gostamos, compartilhar criações.

Queremos diversão, novidade, entretenimento.

PS: Ainda não assisti Capitão América: Guerra Civil, mas quando assistir, faço uma comparação com Batman v Superman.