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O melhor ficou para o final – Hugh Jackman se despede de Logan de maneira espetacular

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           O até então desconhecido australiano Hugh Jackman foi chamado às pressas para as gravações do primeiro X-Men. O ator que iria interpretar o mutante Wolverine havia sofrido um acidente nos sets de gravação de outra produção e não poderia mais participar da aventura mutante. Sem opção de tempo para esperar a sua recuperação, o pai dos mutantes nos cinemas, Bryan Singer, escalou Jackman para assumir a pele do vilão. E foi esse um dos maiores – se não o maior ao lado de Heath Ledger e seu Coringa, acerto de todos os filmes baseados em HQ nos cinemas.

           Fora uma combinação estarrecedora entre personagem e ator de tal forma que é impossível imaginar outra pessoa encarnando Wolverine nas telonas. Do primeiro X-Men, lá em 2000, até aqui, foram dezessete encarnações como o selvagem mutante cujo apreço com o público foi tão grande que o fez resistir ao fiasco “X-Men Origens: Wolverine” de 2009. Como nada dura para sempre, Jackman anunciou alguns anos atrás que iria encarnar o personagem pela última vez. Agora, em cartaz no país desde a quinta-feira passada, o público irá conhecer não o Wolverine, mas a pessoa que se esconde por trás das poderosas garras de adamantium.

Finalmente vemos o efeito das garras de adamantium no corpo humano.

Logan” (Idem, EUA, 2017) começa com clima de despedida. Quando o tema de abertura da Fox vibra pela sala de cinema um estranho sentimento já começa a rodear a sessão. Logo, esse clima é quebrado pela violência. Sim, o filme começa mostrando que seguirá uma trilha nua e crua e cabe ao espectador decidir se irá ficar para ver ou não. Encontramos Logan debilitado, amargurado, cambaleando, seu fator de cura já não é tão rápido e não possui mais o porte másculo que arrancava respeito e medo de seus adversários. Ele é um dos poucos mutantes que ainda restaram no mundo e seu trabalho como motorista de uma limusine é quase como uma fuga de todas as dores que ele sente. Assim como também é uma forma de ajudar seu companheiro Charles Xavier (Patrick Stewart) cuja doença degenerativa no cérebro deixa a mente mais perigosa do mundo em um estado preocupante. A aparente pacata vida de Logan muda quando uma garotinha misteriosa Laura Kinney (Dafne Keen) entra em sua vida. Depois de duas décadas sem nascer nenhum novo mutante, Kinney é a esperança que Xavier sentia que iria aparecer.  Perseguida por uma empresa que fazia experimentos com crianças mutantes, Logan se vê obrigado a proteger a menina que acaba se mostrando extremamente parecida com o nosso Wolverine.

          De longe, esse é o filme da franquia X-Men mais denso. Ele tem o clima psicológico com a mesma intensidade do ótimo “Dias de Um Futuro Esquecido”, no entanto, a forma como James Mangold coloca as cenas em tela, o deixa ainda mais pesado. Não há, aqui, qualquer truque para mascarar a violência, o feio e a degradação. Com uma fotografia seca, o filme desce goela a baixo com um profundo – e necessário, choque de realidade. Vemos, finalmente, o que as poderosas garras de Logan podem fazer no corpo humano e isso é mostrado com espetaculares coreografias de luta.

          Ainda mais importante, o diretor James Mangold, que também escreveu o roteiro, colocou toda essa violência em seu filme de uma maneira orgânica. Não é uma violência gratuita, pelo contrário, ela faz total sentido em cada sequência e Mangold faz questão de mostrar isso de perto. Nada de closes abertos para distanciar o sangue do espectador. Não. O público é trazido para a selvageria daquele mundo cruel. E isso é es-pe-ta-cu-lar.

Patrick Stewart, nunca desaponta.

Não há dúvida que o sucesso do Wolverine em todos esses filmes se dá ao maravilhoso – e dedicado trabalho de Hugh Jackman. O astro jamais se deixou cair no piloto automático na pele do mutante. Mas sim, trazia a cada novo capítulo nuances nunca vistas de seu personagem e agora nesse “Logan” ele foi mais além do que qualquer um de nós poderia imaginar. Cada olhar cansado, um movimento feito com dor, tudo está cuidadosamente dosado pelo ator. Basta olharmos para ele e já sentimentos toda a sua carga dramática. Claro, isso também é mérito da equipe de maquiagem do filme que merece aplausos.

            Por outro lado, Patrick Stewart nunca nos desaponta. O ator chegou a emagrecer muito para o seu papel nesse filme. Talvez essa seja também a última encarnação dele como o Professor X e, se for, será de maneira magistral. Para quem acompanhou os filmes no universo dos mutantes, ver Xavier em decadência é chocante. Trás algo, até então, nunca pensado nesse contexto: de como a velhice chega para todos, sejam humanos ou mutantes e, nesse último caso, de como ela pode ser ainda mais comovente. Apesar de seu estado frágil, Charles continua se mostrando centrado e cheio de esperança. Principalemente após esta assumir na forma de Laura.

Dafne Keen espetacular na pele da X-23. Um verdadeiro achado.

E falando em Laura. O que é que foi essa menina em cena? Lembra que descrevi no início dessa crítica a imensidão que foi ver Jackman como Wolverine? Pois então, dezessete anos depois, vemos isso agora com a estupenda Dafne Keen. Sem experiência na tela grande, a atriz mirim mostrou que nasceu para ser a X-23. Ela conseguiu trazer toda a carga de dor e raiva necessária a sua personagem apenas com um olhar. Isso é extremamente difícil para um ator veterano, imaginemos ela. Isso só reforça a aptidão dela para o papel. Ela é quem, realmente, rouba a cena. Suas sequências de ação são um espetáculo à parte e compartilha com Jackman e Stewart em um jantar na casa de uma família, um dos melhores momentos de todo a cronologia dos mutantes nos cinemas.

            Com tantos pontos positivos e acertos basicamente unânimes, “Logan” cansa um pouquinho quando se demora de mais em uma passagem na casa de uma família, mas nem de longe isso prejudica o gosto final desse longa espetacular. Aqui, finalmente, conhecemos o algoz por trás do Wolverine, conhecemos Logan em sua essência. Para isso, passamos por uma tarefa árdua de aturar o terrível “X-Men Origens: Wolverine” e o bonzinho “Wolverine Imortal”. Mas foi melhor assim. Melhor termos essa escala evolutiva terminando em uma despedida digna do amor que Jackman entregou a seu personagem e nós a ele. E no final, saímos chocados, com os olhos molhados e estarrecidos não apenas pelo maravilhoso filme, mas por nos despedirmos de um personagem que acompanhamos por tantos anos.

Nota: 9.0/10.0