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Ruído bom de escutar – Longa francês pode ser um tormento para os ouvidos, mas é um remédio para a alma

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                      Nesse ano, alguns cinemas do Brasil fizeram parte do Festival Varilux de Cinema Francês que trouxe vários títulos dos mais variados temas às telas tupiniquins. Um dos destaques do festival foi, sem nenhuma dúvida, “Marguerite” (Idem, França, República tcheca, Bélgica, 2015) um longa que consegue mexer profundamente com os sentimentos da plateia.

Catherine Frot na pele de Marguerite, atuação espetacular.
Catherine Frot na pele de Marguerite, atuação espetacular.

Quando as luzes do cinema se apagam somos transportados para os anos de 1920 exatamente em uma mansão onde está sendo realizado um evento de caridade e todos estão ansiosos para a apresentação musical da grandiosa Condessa Marguerite Dumont (Catherine Frot). Apôs uma espera cheia de expectativas – dos personagens do filme quanto do público que o assiste nos cinemas, Marguerite surge glamorosa e ao abrir a boca começa, sem nenhuma piedade, a massacrar todos os ouvidos alheios com uma performance impressionantemente horrível de A Rainha da Noite de Mozart. Porém, ao final da apresentação, todos a aplaudem e assim deixa viva nela a crença de que ela é uma cantora soprano sensacional. Essa ilusão, na verdade, já vem se mantendo há muito tempo, afinal, além de realizar muitos eventos beneficentes, Marguerite Dumont é casada com o Conde Georges Dumont (André Marcon) e a riqueza do casal já garante o prestígio necessário para a sociedade. Ao encararem, estupefatos, as destrezas vocais da Sra. Dumont, dois jornalistas, Kyril Von Priest (Aubert Fenoy) e Lucien Beaumont (Sylvain Dieuaide), pretendem alimentar ainda mais a fantasia de Marguerite a ponto de fazê-la ter o desejo de realizar um concerto solo em um grande teatro ao público.

            Dirigido de maneira extremamente delicada pelo francês Xavier Giannoli, a película de uma maneira leve e firme, consegue gerar muitos sentimentos na plateia – e o que é mais chocante: sentimentos contrários. A comicidade e a tragédia andam lado a lado nas duas horas de projeção, exatamente como na icónica máscara que representa o teatro. Trata-se de uma narrativa complexa cuja delicadeza exige de seus integrantes grande destreza. E isso encontramos perfeitamente na película.

            Catherine Frot está espetacular na pele de Marguerite. Facilmente, a atriz consegue convencer a plateia sobre a fantasia gerada em torno de sua personagem. Fantasia que pode ter sido criada por ela, mas que foi alimentada de maneira tão brusca durante o tempo pela sociedade, que passou a ser uma verdade absoluta a ela. Marguerite é, antes de tudo, uma mulher sonhadora, desprezada pelo marido e sendo motivo de risadas pelos os outros, porém, em vez de ser uma mulher triste, é muito feliz em seu mundo. Sua fantasia a se transformou em uma verdade suprema e tão poderosa que corre o risco de, quando se chocar a outra verdade, ser destrutiva.

Todos assistem, estupefatos, a apresentação de Marguerite.
Todos assistem, estupefatos, a apresentação de Marguerite.

Além da protagonista, temos outros personagens que também acabam se mostrando muito interessantes. A começar pelo jornalista e poeta fracassado Kyril Von Priest, vivido de forma intensa por Aubert Fenoy cujo romance com a cantora (de verdade) soprano Hazel (Christa Théret) é trabalhado de modo a desenvolver os próprios personagens. Destaque também para o ótimo Michel Fau que dá vida ao quase-fracassado Pezzini e que aceita, de forma inesperada, ser professor de canto de Marguerite. O ator consegue caminhar na linha tênue entre o drama e a comédia de maneira tão genial quanto o roteiro do filme.

            E que roteiro! Lembrando brevemente o caso real de uma cantora chamada Florence – que inclusive ganhou filme com Meryl Streep esse ano, o texto do próprio Xavier Giannoli e de Marcia Romano, trata com muita delicadeza e maestria a trama, explorando a fundo os personagens os quais devem realmente fazê-lo. Às duas horas de projeção se passam rápidas e consegue fazer o público se manter firme na poltrona apesar dos berros estridentes de Marguerite.

            Tecnicamente bem feito, não gostei muito da fotografia do longa. Como já disse, não no quesito técnico, mas no artístico. Giannoli optou por uma paleta de cores sóbrias e frias. Queria ver um pouco da Marguerite na paleta e sua felicidade estampada artisticamente dessa forma, todavia, a fotografia seguiu outro caminho que, no máximo, prejudicou minimamente a experiência com o filme.

            Tocante e profundo, “Marguerite” é um filme sensacional que deve ser assistido por quaisquer pessoas que tenha interesse por artes – seja ela qual for. Pois, a combinação homogênea entre cômico e trágico traz reflexões para muitos dias – ou vida. Afinal o que é realidade e o que é fantasia? Será nossa realidade uma fantasia ou é fantasia dos outros? “Marguereti” não tem função de responder a esses questionamentos, mas de gerá-los.

Nota: 9.5/ 10.0

Imagens: Divulgação