Quem diria que eu estaria assistindo tantos doramas e escrevendo sobre eles. Nem eu diria, até uns dois anos atrás. Mas vou contar como os últimos que assisti foram só decepção. Eu sabia que estava tudo bom demais para ser verdade, já que dos quatro primeiros que tinha visto, emendei três que foram só alegria — Master’s Sun, The Night Watchman e Oh My Venus. Vocês podem comprovar através das minhas impressões sobre dois deles, na popular análise “Oh My Venus e o Feminisno na Coreia do Sul”.
Um belo dia (talvez não tão belo assim) eu resolvi entrar na onda dos doramas disponíveis no Netflix. Tentei assistir o japonês Atelier, mas confesso que não passei do segundo episódio. É uma cópia muito bizarra de O Diabo Veste Prada, só que em formato de série e substituindo a revista de moda por uma marca de lingeries artesanais feitas por encomenda. A única coisa boa de Atelier é a versão japonesa da Miranda, porque a protagonista é extremamente caricata (saudades Anne Hathaway). Abandonado o primeiro, depois, enquanto procurava uma comedia romântica leve para rir, surge no meu feed Noble, My Love. Decido dar uma chance, achando que a série supriria meus anseios de distração.
Sinopose: Lee Kang Hoon (Sung Hoon) pode até ser o presidente de uma das maiores empresas do mundo, mas ele ainda tem algumas coisas para aprender sobre as pessoas. Depois que ele escapou por pouco de um esquema de sequestro, Kang Hoo recebe um curso intensivo sobre paixão quando ele encontra um porto seguro na doce veterinária chamada Yoon Seo (Kim Jae Kyung). Mas será que o frio CEO será capaz de reconhecer o que é carinho e bondade? [Fonte: DramaFever]
Mal sabia que terminaria decepcionada e impaciente. E daria de cara com outra cópia de enredo norte-americano, dessa vez de Cinquenta Tons de Cinza. Isso mesmo, você não leu errado. E se viu a série e não notou, vamos ficar mais atentos aí! Eles repetem detalhes como o contrato e até a cena em que ele a “resgata” bêbada. Tentar copiar história boa, como em Atelier, (que aparentemente falhou, mas tentou) é uma coisa, mas tentar copiar o que já é duvidoso e deixar pior ainda, como em Noble My Love, fica difícil defender.
Nessa situação também descobri um vício que quem assiste doramas desenvolve: nós escolhemos ou achamos outros dramas através dos artistas. Assisti três doramas com o So Ji Sub, e Noble me interessou mais justamente porque tinha o Sung Hoon, também de Oh My Venus, onde era o pupilo do treinador de UFC, e também um bom rapaz. Pensei: vai que nesse ele é legal também. Só que não. Seu personagem em Venus — bonito e popular graças ao esporte que pratica — é um rapaz tímido, educado e simples, de origem humilde e que está à procura de sua mãe. Ao contrário de Noble, onde ele interpreta um cara insensível e dominador. Se é uma cópia de 50 tons de cinza e você conhece os livros/filme, já deve ter entendido o que quero dizer. Se não, vamos contextualizar.
50 tons de cinza coreano?! A versão Cinderela ataca novamente
Na série de livros que virou filme (um até agora), uma menina comum, conhece um ricaço (de novo?!) que lhe propõe um contrato sexual. Sinopse do filme: Anastasia Steele é uma estudante de literatura de 21 anos, recatada e virgem. Uma dia ela deve entrevistar para o jornal da faculdade o poderoso magnata Christian Grey. Nasce uma complexa relação entre ambos: com a descoberta amorosa e sexual, Anastasia conhece os prazeres do sadomasoquismo, tornando-se o objeto de submissão do sádico Grey. Vou até me abster de comentar essa prévia. Cinquenta tons de cinza é uma obra controversa. Ou você ama ou odeia, ou ignora a existência. Faço parte desse último grupo.
“Fifty Shades of Grey é um romance erótico bestseller da autora inglesa Erika Leonard James publicado em 2011”. E é também uma fanfiction¹ da saga Crespúsculo. O que é isso? Um loop infinito de cópias de coisas que já são ruins ou duvidosas? Devo enfatizar que de 50 tons assisti o primeiro filme, e da saga Crepúsculo li três dos livros na adolescência, além de ver os filmes adaptação (péssimos, aliás). Sim, porque gostando ou não, você tem que ver para poder criticar. Ou não vai ter como argumentar se nem conhece. E eu não sou contra a quem começa lendo esses livros. Porque pode levar a outras histórias melhores depois.
Sung Hoon, Oh My Venus e Noble My Love
Mas voltando a falar de Sung Hoon e Noble My Love, comparando com a série onde conheci o ator — Oh My Venus — onde Jang Joon-Sung é perseguido por Jang Yi Jin (Jung Hye Sung), uma inofensiva e divertida stalker. Na história, uma atriz coreana famosa que quer o amor dele e vai persistir até conseguir. Mas nesse caso, é colocado de maneira cômica e ao longo do dorama eles realmente desenvolvem um relacionamento, saudável! E a menina que no começo achamos insuportável, depois ganha nossa torcida. Yi Jin é uma das poucas mulheres que não comento na crítica de Oh My Venus, talvez por ser a personagem feminina de menos destaque e presença no k-drama. Mas citá-la aqui veio a calhar. Porque me fez lembrar o quão diferente o galã Sung Hoon está nos dois k-dramas.
Em Nobre My Love, de amor ele não tem nada. O empresário bonitão e rico (sério? De novo Coreia? Quantas séries têm esse mesmo enredo?) conhece uma veterinária classe média que vive sem dinheiro, mesmo tendo sua própria clínica. Ela, aparentemente, não sabe administrar seus negócios, quando na verdade é uma pessoa sem maiores ambições, está feliz com sua situação. Gosta de sua loja pequena e do emprego que a paga pouco, mas a faz feliz. O cara interpretado por Sung Hoon, além de a conhecer de forma aleatória logo no começo da série, depois é salvo por ela quando está ferido após uma tentativa de sequestro. E é posterior a esse incidente que ele cisma com a menina e “se apaixona” por ela. E é aí que começa o 50 tons de cinza (sem sexo) e eu não acreditava no que via.
Estava ali o mesmo cara rico e controlador, que acha que o mundo deve girar à sua maneira. E isso se estende a pessoa que ele — supostamente — gosta. Mas como na maioria desses romances problemáticos, o cara é possessivo e controla tudo na vida da moça. Ele tira ela de sua pequena loja, que ela gostava, mas que ele considerava inferior. Coloca numa loja maior em um bairro de classe alta. Insere a força ela no mundo dele.
Não sou contra namorados, amigos, familiares, nos darem presentes. Acontece que, tanto em 50 tons quanto em Noble, vemos claramente o quanto isso pode ser exagerado e prejudicial. Como podemos perder nossa essência em função dos desejos do outro. O que faz muitas pessoas ficarem sem chão depois que terminam um relacionamento. Já que “viveram a vida do outro” por tanto tempo. Nossas individualidades são importantes e fazem parte do que somos, da nossa personalidade. E abandonar isso, pode te fazer sentir falta de si mesmo.
Em alguns romances, há um equilíbrio. Um aprende com o outro, o que transforma a vida dos dois, é uma evolução conjunta. E eu adoro histórias assim. Sou super a favor de pensarmos fora da nossa caixinha. Mas, nas duas histórias, a criatura e o criador, Noble My Love e Cinquenta Tons, nós só vemos um homem controlando tudo na vida de uma mulher. Até dos amigos dela ele pede que ela se afaste. O que gera um relacionamento abusivo, onde só uma pessoa tem voz. E as duas obras, romantizam isso.
Resumindo, a história de Noble My Love não tem uma boa evolução. Na verdade, eu nem sei se tem alguma. Não acrescenta em quase nada na vida daquelas duas pessoas e de quem assiste. O “mocinho” de Noble não termina transformado numa pessoa melhor ao final da história. Ele termina quase o mesmo que foi desde o começo. Lee Kang Hoon pode até ficar mais carinhoso, mas não deixa de ser controlador. O Christian Grey insensível permanece. E isso foi bem decepcionante, porque fui otimista e acreditei que ele fosse realmente melhorar até o final.
Aí você se pergunta, como eu aguentei assistir se não gostei. Bem, tenho alguns motivos. Primeiro que, Noble My Love tem 20 episódios de apenas 15 minutos, o que nos ajuda a ver tudo bem rápido. A série têm momentos engraçados e a protagonista é boa. Além dos fatos de que eu ainda tinha esperança de que a história melhorasse, juntando aquilo que falei antes: temos que ver para poder comentar sobre. Então, resisti até o fim.
Acredito que para uma história ser considerada boa, ou apenas ser considera de alguma forma, ela tem que acrescentar algo na nossa vida. Apesar de Oh My Venus não ter sido o primeiro k-drama que assisti, abriu meus olhos para uma série de questões da cultura oriental e sul-coreana que eu nunca tinha parado para refletir. E isso é muito válido, mesmo que a série não seja perfeita. Se ela mudou algo na minha percepção, consequentemente fez diferença na minha vida. Se uma obra consegue isso, ela tem muito mérito.
Algo que me preocupou muito em Noble My Love não foi o k-drama em si, mas os comentários que li online sobre ele. Frases como “ai que lindo”, “amei”, “que fofo!”. Fiquei, “meninas, vocês estão loucas?! Acordem, esse cara é um babaca!”. Claro que só respondi isso mentalmente, né? Deixei para expor minhas impressões nessa crítica.
Uma pessoa não muda gratuitamente pela outra, ela muda se tomar consciência sozinha de suas atitudes. Uma pessoa não vai mudar se não vê nada de errado no que faz. E é assim que muitos se comportam, não reconhecendo a negatividade em seus atos. Lee Kang Hoon, Christian Grey, Killgrave de Jessica Jones, personagens ficcionais, mas que retratam assuntos bem reais. Então, me preocupa a influência de séries como Noble My Love em meninas mais jovens, sem experiências e ainda desenvolvendo senso crítico. Que podem não enxergar quando um cara é tão idiota que talvez não mereça sua atenção ou seu amor. E vão achar somente que ele é um “fofo!”, quando na verdade, é um babaca.
Glossário
- Fanfiction: Fanfiction, fanfic ou apenas fic é uma narrativa ficcional, escrita e divulgada por fãs, que parte da apropriação de personagens e enredos de filmes, séries, quadrinhos, videogames, etc, sem intenção de ferir os direitos autorais e a obtenção de lucros. Tem como finalidade a construção de um universo paralelo ao original. [Fonte: WikiPedia]
Publicado originalmente em: medium.com/@kekoutz